RPM, a història de um sucesso
50 mil fãs na Praça da Apoteose, no Rio, coroando a turnê Rádio Pirata como o mais espetacular evento de seu tempo. Era o auge (e o início da ruína) do RPM. O diretor do show, Ney Matogrosso, conta os bastidores da febre
Eu conhecia o Paulo Ricardo desde muito antes do RPM, quando ele ainda era jornalista musical. Ele escrevia na revista Somtrês, e foi me entrevistar por causa do show Seu Tipo, em 1980. Ele disse que tinha uma banda, que era músico. Mantivemos contato e nos falávamos sempre que eu voltava a São Paulo. A banda daquela época acabou e, depois, ele tentou outra – lembro até de ter assistido a um ensaio.
Na época em que o RPM surgiu, eu trabalhava com o empresário Manoel Poladian. Certa vez, ele me disse que estava com vontade de trabalhar com um grupo de rock e me perguntou se eu indicaria algum. Sugeri a ele o RPM, que estava começando a tocar no rádio com “Louras Geladas”, já por volta de 1985. O Poladian me disse: “Se eu contratá-los, você dirige?” Eu nunca tinha dirigido ninguém, mas, como conhecia a banda e gostava do som, aceitei. Até então, eu fazia apenas a iluminação dos meus shows, ainda que eu não assinasse. Para o RPM, além da luz, eu cuidei da direção de palco.
Como não sou iluminador profissional, costumo assistir aos ensaios do artista, para tentar descobrir o que posso fazer com cada música. Não fiz nenhum plano para a iluminação, apenas ouvia e criava a luz ali – havia uma equipe de iluminadores que assistia ao ensaio do RPM comigo e ia fazendo a luz. No início do RPM, eles eram ainda muito tímidos, tinham uma personalidade que não era muito “pra fora”.
Eu percebia que o Paulo Ricardo tinha uma coisa de estrela, só que ele não assumia isso. E via um pouco disso em todos eles, achava que eles tinham de pôr pra fora uma coisa que eu sabia que existia ali, que eu notava. Uma vez, num ensaio em pleno verão, eu falei: “Vamos ensaiar hoje sem camisa”. Era pra ensiná-los a mostrar o corpo. E eles: “Sem camisa?” O único que não aceitou bem isso foi o (tecladista) Luiz Schiavon. Quando foram escolher o figurino do show, sugeri uma roupa leve, por causa do calor. Insisti para que deixassem o corpo aparecer – eram todos bem novinhos ainda. E aí o Paulo Ricardo virou um sex symbol da época. Eu meio que puxei isso. Mas percebia que aquilo já existia ali e via também que ele tinha problemas de liberar isso, porque era uma pessoa tímida. Meu trabalho foi fazê-lo ficar confiante de que aquilo podia ser exposto, de que não era um problema.
O clima, no começo da banda, ainda era o melhor possível. Não havia nenhuma briga entre eles, era tudo ótimo. Peguei o RPM bem no início, quando eles davam poucos shows. As coisas que o grupo fazia ainda eram muito pequenininhas. E aí, quando o Poladian pegou, preparou uma superprodução mesmo, era uma coisa muito grande. Olha, o que tinha de equipamento de luz no palco deles... Tinha raio laser, três tipos de fumaça. Era gelo-seco, fumaça com água quente, água fria... Tinha uma hora em que caía uma cascata de gelo-seco que vinha se espalhando pelo chão. Para quem estava assistindo, aquilo parecia realmente uma cascata d’água. Tinha aqueles computadores que o Schiavon usava, também. O palco todo era contornado de néon, de duas cores. Foi uma produção caríssima, superprodução mesmo, mas o show foi um sucesso enorme, enlouquecedor.
Gosto muito do primeiro álbum do RPM, Revoluções por Minuto. Achava que era um trabalho diferente no panorama do rock brasileiro, em música e letra. O grupo tinha um estilo diferente, alguma coisa que soava progressiva, havia influência disso, mas que não era exatamente progressiva.
No meio do sucesso da turnê, saiu o Rádio Pirata ao Vivo. Quando você grava um disco no estúdio, ainda que muito ensaiado, ele soa verde. Tudo acaba ficando bem melhor depois que vai para a estrada. Acho que a intenção do RPM, com o disco ao vivo, foi registrar um trabalho musical, que – depois de lançado em disco, depois de todos os shows, as turnês etc – acabou ficando melhor.
Muita gente comparou a trajetória do RPM com a do Secos & Molhados, mas creio que a única ponte entre o que eu vivi e o que eles viveram seja o fato de as duas bandas terem acabado no auge. Só isso. Até porque o S&M tinha um atitude rock, uma pegada rock, mas não fazia rock’n’roll – eu até me impressiono de as pessoas pegarem o que fiz com os Secos e acharem que aquilo era uma banda de rock.
Em relação ao Paulo Ricardo, especificamente, eu achava que ele havia sido hiperexposto. Eu até avisava para ele: “Isso é um perigo. Essa imprensa que hoje está te glorificando e pondo você lá nas alturas pode no ano que vem estar te achincalhando. Não acredite nisso, não se exponha tanto, se poupe, apareça menos”. Mas como é que você vai dizer isso para uma pessoa com a idade que ele tinha, ainda mais com todo aquele sucesso estrondoso?
Na hora em que a coisa detonou mesmo, eu até nem permaneci junto – afinal, eu também tinha minha vida, minha carreira. Eles seguiram sozinhos, com o Poladian, e foi realmente um grande sucesso.
O grupo estava no auge da batida, eu estava enxergando o RPM com os olhos de uma pessoa que já tinha experiência, que já havia passado por aquilo de uma certa maneira – só que sempre lidei bem com isso, porque só me expunha quando estava trabalhando, no palco. Fora disso, eu me recolhia sempre. Era nesse sentido que eu os aconselhava, de não se expor tanto, de tomar cuidado.
Quando me afastei, após uns quatro meses de trabalho, não havia nenhum tipo de perturbação entre eles, ainda estava tudo bem. Depois eu e o Paulo continuamos amigos, e eu fiquei assistindo ao grupo, vendo os shows, sabendo do que acontecia com a banda por meio da cobertura da imprensa, até a sua separação, em fevereiro de 1989.
Ney Matogrosso é o maior showman do Brasil e dirigiu muitos outros shows de sucesso depois de Rádio Pirata. Depoimento cedido a Ricardo Schott.