Paulo Ricardo uma performance que coloca seu show no topo do rock brasileiro.
Às vezes um artista muda estilo, deixa de lado um tipo de música, aposta em outro e mais outro e, às vezes, isso dá muito certo. De vez em quando, não. Paulo Ricardo é um desses sobreviventes da música, do rock brasileiro dos anos 80, que fez muitas destas mudanças. Começou no RPM, saiu, lançou discos com sonoridade distante de sua ex-banda, voltou ao RPM, saiu de novo, apostou no pop romântico, RPM novamente e soltou discos pop e levemente rock.
É muita transformação, né? Às pessoas que acompanham de longe um artista assim acabam não entendendo direito o que se passa ali e é complicado mesmo. Por exemplo, o que é Paulo Ricardo hoje, em 2024? Se ele for julgado pelo show que fez já na madrugada deste sábado (17) – começou à 0h45, em São Paulo, no Clube Juventus, no bairro da Mooca, a gente pode dizer que ele voltou com tudo para o universo do rock. Inclusive, faz um dos melhores shows do gênero no Brasil. Mas quem é que sabe disso? Só os fãs que vão a suas apresentações.
Neste sábado, o Juventus promoveu uma sessão dupla que começou com Paula Toller. A ex-Kid Abelha fez uma apresentação completa, com todos os seus hits e presença de Liminha na banda. Foi um showzinho bem light, simples, sem muitas firulas e com todo mundo cantando as músicas de trás para frente.
Depois de cantar todos os seus muitos clássicos, Paula cedeu espaço para Paulo, que subiu no palco com gás total já encavalando dois hits seguidos do RPM, Rádio Pirata e Louras Geladas. Vestido com uma jaqueta preta, kilt (uma espécie de saia masculina escocesa) e pesados coturnos, o ex-sex symbol dos anos 80 – da altura de seus 60 anos – mandou ver com um ótimo vigor físico. Ele toca seu contrabaixo Steinberger, anda para lá e para cá e interage bastante principalmente com o guitarrista Ícaro Scagliusi.
Este show de Paulo faz parte da turnê chamada Rock Popular, e um dos trunfos das apresentações do cantor são os músicos que o acompanham e que pegam forte exatamente no rock. Sempre que esteve fora do RPM, Paulo tocou com muitos músicos diferentes e, nos últimos quatro, cinco anos, parece ter finalmente encontrado bons companheiros de palco. Com um som coeso, muitas vezes bem pesado, os músicos (um guitarrista, um tecladista e um baterista) atuam ao lado do cantor como se fossem uma banda mesmo. Não parecem ser meros coadjuvantes escondidos no fundo do palco. E isso faz toda a diferença no som e na performance de Paulo.
A terceira música da noite foi Vida Real, tema do BBB, mas numa versão diferente daquela que se ouviu na TV este ano. Muito mais pesada e interessante. Faz até a gente prestar atenção nesta faixa que muita gente já nem aguenta muito ouvir.
O show segue com algumas escolhas não muito óbvias, como a nova Herói Made in Brazil, a versão de Paulo para a épica Gita, de Raul Seixas. Chega a bela A Cruz e a Espada, hit do RPM em que o cantor coloca um trecho de Save a Prayer, do Duran Duran. Vem Imagine, de John Lennon, também numa versão tocada com toda a banda onde Paulo encaixa One, do U2. Em Naja, música instrumental do RPM, Paulo deixa o palco para trocar de roupa enquanto seus músicos apresentam uma ótima versão da faixa.
Nesta segunda metade do show, o cantor deixa claro o motivo do nome do show. Além de suas próprias músicas, há também uma homenagem a alguns outros grandes cantores e compositores brasileiros, mais especificamente a Renato Russo e Cazuza. Paulo canta Ideologia e Pro Dia Nascer Feliz e também faz a alegria dos fãs do Legião Urbana com Tempo Perdido e um trecho de Pais e Filhos.
Ainda houve tempo para uma versão acústica de London London e também para Dois e Tudo Por Nada, estes últimos dois foram hits radiofônicos da carreira solo do ex-RPM.
Flores Astrais, do Secos e Molhados e que aparece no disco do RPM, Rádio Pirata Ao Vivo, é tocada com o cantor envolto por fumaça e raio laser, que se fundem num belo efeito especial. Sem dúvida, um dos pontos altos da apresentação.
O bis veio bem potente com Paulo de volta ao baixo para tocar Revoluções Por Minuto, Alvorada Voraz e Olhar 43. Todas vieram com versões pesadas, rápidas e energéticas, que nem deixam muito espaço para saudades do RPM, que ainda existe, aliás. Até porque, o que vemos ali no palco é bem o espírito da banda, só que com um pouco mais de peso.
Com boas luzes e uma banda afiada, Paulo Ricardo faz de tudo para não soar muito datado, embora isso muitas vezes não seja possível. Mas compensa isso com energia de sobra e uma performance que coloca seu show no topo do rock brasileiro. Merecia estar tocando para mais pessoas.